domingo, 10 de abril de 2011

Angola X Ketu (algumas diferenças)

Para tentarmos apontar qualquer diferença entre essas nações é necessário retrocedermos um pouquinho mais no tempo, a fim de que possamos encontrar o ponto considerado ideal - o marco - capaz de permitir-nos o estabelecimento de um histórico destinado à identificação de tais diferenças, vez que, com o passar dos tempos as misturas de ritos e costumes foram naturalmente acontecendo. Essa mistura - hoje comumente conhecida por milonga - chegou a tal ponto que obrigou as Casas mais tradicionais a se fecharem, ocultando ainda mais os seus fundamentos. Outras, menos presas, ao tradicionalismo, acabaram assimilando terminologias próprias dos iorubanos que chegaram ao Brasil no período de declínio da escravidão.

A história comprova que o movimento escravagista trouxe ao Brasil, primeiramente, os povos bantu originários de Angola e do Congo. Estes falavam inúmeros dialetos, mas os que predominavam entre eles eram o Kimbundu - Angola e o Kikongo - Congo. Convém destacar que, por serem países fronteiriços, o uso desses dialetos já era comum para ambos, na própria região, passando a ser ainda mais misturado aqui no Brasil em razão da convivência durante as suas permanências nas senzalas.

Segundo Barcellos, em sua obra sobre As cantigas de Angola, 1998:19, a sobrevivência dos costumes e rituais religiosos só foi possível graças a um enorme esforço de seu povo, que, mesmo humilhado e vilipendiado, conseguiu levantar a notória bandeira branca de KITEMBU - patriarca dos angolas ou angoleiros - mantendo viva a nação para que nós, Munzangala Kitembu (filhos do tempo), possamos preservá-la.

Mas, ainda assim, o processamento de qualquer comparação entre as nações angola e ketu é, no mínimo, temeroso. Não há dúvidas sobre a diferença de tradições. De comum, diz Barcellos, "ambas têm apenas a crença e o ritmo".

Vejamos alguns pontos que são substanciais e ao mesmo tempo incomuns entre ambas:
1) é tradição dos povos ketu tocar os atabaques usando varetas denominadas akidavi ou lakdavi. Na nação angola isto é praticado com as próprias mãos;
2) na nação ketu é comum desenvolver o xirê dos orixás, cantando numa ordem pre-determinada. Os angoleiros, por sua vez, mantém uma ordem, muito embora não tenha que ser necessariamente a mesma utilizada pelos ketu, e o toque executado é o Jamberessu - ritual específico de invocação dos Minkisi.
3) o ritual fúnebre iorubano é conhecido por axexê, mas, tanto quanto no angola, é secreto e nada tem em igualdade com o Ntambi dos angolanos.
Mas, sem sombra de dúvidas, são extremamente coesos em seus propósitos. Diz, Barcellos: "são rituais muito diferenciados, profundamente sérios e de raríssima beleza plástica, embora sejam lúgubres, pois a morte, muito temida pelos povos animistas, ou seja, por aqueles que crêem que a natureza tenha vida e vontade próprias, é encarada como a passagem para um mundo mais evoluído, ou seja, o mundo dos Minkisi ou Orixás".
4) as cores dos Orixás e Minkisi guardam grandes semelhanças, posto que ambos atuam sobre as forças da natureza, o que equivale dizer que esta é essencialmente a responsável por tal similaridade.

Mas, alguns autores e dentre estes cito o próprio Barcellos, afirmam que a verdadeira diferença talvez esteja na questão étnica e na da origem religiosa. O império iorubano foi criado por Oduduwa, na Nigéria, fronteira com o Daomé, hoje República do Benin e aos poucos foi incorporando determinadas divindades, como por exemplo, a do orixá Nanã.

Outro aspecto notadamente próprio aos iorubanos é a vinculação do culto ao orixá a uma determinada região. Exemplo, Oxogbó/Oxum; Oyó/Xangô; Irê e Hondo/Ogum; Irá/Iansã, etc.

Ao contrário dos iorubanos, os bantu cultuavam seus Minkisi de acordo com a ocasião e seus reinos, impérios e países foram fundados ao longo do trecho compreendendo norte/nordeste até o sul da África. Os bantu foram os verdadeiros fundadores do Congo, Angola e Namíbia, entre outros.

Portanto, mesmo diante da visível e discutível tendência à unificação desses cultos no Brasil, quanto mais se estuda e busca o resgate das verdadeiras raízes, chega-se à conclusão de que todos guardam fundamentos, tradições, sabedoria, próprios dos seus povos e que, certamente, muito se perdeu ou foi mantido em segredo absoluto ao longo dos tempos.


Asé.

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