quarta-feira, 6 de abril de 2011

Entrevista Com Mam'etu Mabeji - Bate-Folha - RJ

No início de 1900 o senhor Bernardino Manoel da Paixão (cuja dijina era Ampumandezu), se iniciou com um Muxicongo chamado Manoel de Nkosi. Daí nasceu o terreiro Inzo Manzo Bandukenké (Bate-Folha), no bairro da Mata-Escura, na Bahia. O Sr. Bernardino iniciou cinco barcos: quatro na Mata-Escura e um na casa da filha. Nesses cinco barcos ele só fez dois filhos de santo homens: João Correia de Mello (João Lessengue) que foi o primeiro, e Bandanguame, do segundo barco.
O primeiro filho de Bernardino (Lessengue), veio para o Rio de Janeiro em 1938 e tornou-se uma lenda na nação Congo-Angola. Na sua chegada ao Rio, foi morar na Rua Navarro, no Catumbi, mudando-se depois para Praça Mauá, e por último para Rua do Resende onde morou até seu falecimento.
No ano de 1941, João Lessengue compra o terreno na Rua Edgard Barbosa, n 26, em Anchieta, onde funda sua casa Inzo Kupápá Unsaba, mais conhecido como Bate-Folha, RJ.
Ele como um homem visionário, constituiu sua casa com uma arquitetura moderna, mantida até hoje e além de marco do culto Angola, ficou também conhecido pela elegância de suas vestes (os quais os Ogans da casa se vestiam da mesma forma), e pelas recepções calorosas ao "Povo do Santo".
João Lessengue vem a falecer em 1970, deixando saudade a quem o conheceu, e um imenso orgulho em seus filhos pelo conhecimento da nação deixado. Em 1972 assume o terreiro a Senhora Floripes Correia da Silva Gomes - Mametu Mabeji, a nossa entrevistada.

1-Quando e como se deu sua iniciação?
R: Eu morava em Salvador e pertencia a uma família de pessoas do santo. Meu tio, era Ogan do Calabetão, e uma tia minha (esposa desse tio), era filha de João da Goméia e se chamava Leonor. Com isso, eu ia a muitos candomblés. Eu freqüentava o candomblé da Goméia, seu Mundinho da Formiga, dona Idalice de Sango (Mãe de Egbom Riso), Manuel Falefale, Chica do Bom Joá, Manuel Menezes, entre outros. Eu ia para ver, e quando chegava em casa ficava imitando os Orisás. Era um verdadeiro sire (risos).
Isso eu tinha uns oito anos de idade. Com dez, Seu (João Lessengue) foi a Salvador, e como ele tinha uma situação financeira melhor, pediu a minha mãe que deixasse eu ir pro Rio com ele.
Vim para o Rio de Janeiro e dois anos mais tarde minha família veio também, mas eu já estava iniciada quando o pessoal chegou de Salvador. Eu me iniciei em 20 de Abril de 1947. Uma irmã minha que chegou de Salvador também foi iniciada em 1949.

2- Como era o convívio com seu João Lessengue?
R: Era ótimo. Ele era uma pessoa que não tenho adjetivos para descrever. Era meu tio carnal, compadre, pai de criação e Tata Nkisi, ou seja, tudo. Ele era uma pessoa rígida, que gostava das coisas certas, nos devidos lugares. Ele era pontual, quando marcava para começar o Candomblé às 16:00 (horário em que tradicionalmente as festas eram marcadas), começava na hora certa.
Mas, era uma pessoa amiga e animada, era dedicado aos filhos e estava sempre pronto a ajudar quem precisasse. Definindo-o bem, era culto, elegante amigo, porém extremamente rígido com as coisas do santo. Era o clássico "escreveu não leu, pau comeu" (risos). No termo baiano seria um "carrancista". Inclusive, acredito eu, que foi ele quem começou com esses jantares pós Candomblé, coisa que não era tradição nem aqui no Rio e nem em Salvador.

3- Quais as pessoas que freqüentavam o Bate-Folha na época de seu Lessengue? Quais ainda freqüentam?
R: Bom, a casa tinha duas grandes festas: a de Lembá e a de Nkosi, que eram os Nkisi dele.
Tinham outras festas, mas, essas duas eram as que mais enchiam a casa. Muitas pessoas já falecidas, que foram ícones do Candomblé freqüentavam a casa. Ds que eu me lembro vinham Bida de Yemonja, Damiana de Sango, Joana Obassi, Joana da Cruz, Dila de Omolu, Senhorazinha, Djalma de Lalu, Tata Fomutinho, Olegário (O de Wale), Adalgiza do Gantois, América de Omolu, Marina de Osonyin, Obaladê (do Asé Osumare), vinha muita gente.
Algumas pessoas que vinham na época de meu pai ainda vem a casa, que eu me lembre, os que vem mais freqüentes são: Nino de Ogun, Ogan Bangbala, Ogan Evandro (sobrinho de Caboclo), Guiomar de Ogun, Iné de Osumare, Nair de Osala, Ekeji Deja, Cotinha, Orlando de Sango (Gamutinho), entre outros.
Desculpe se esquecer alguém, mais enchia muito.

4- Como foi receber a notícia de que sucederia seu zelador a frente do Inzo?
R: Foi difícil, pois eu não queria. Por mim seria filha de santo o resto de minha vida. Meu pai faleceu em 1970, e eu assumi em 1972, ou seja, estou a frente da casa à 34 anos.
A dificuldade maior foi estruturar, pois abrir uma casa é uma coisa, pois esta começando um ciclo, outra coisa é você continuar este ciclo. Assumir uma estrutura já pronta, com outros filhos na casa é muito diferente.

5- Como foi a receptividade por partes dos filhos da casa?
R: O pessoal acatou bem, pois além de ser sobrinha carnal dele, era uma das filhas mais velhas, do segundo barco mais especificamente. Ele quando vivo sempre dizia "quando eu morrer, você que vai assumir", mas nunca tive essa pretensão de assumir a posição de herdeira na época. Quando ele faleceu, eu já estava com 23 anos de iniciada.

6- De lá para cá, quais as melhorias feitas no Inzo?
R: Nunca mexemos na estrutura interna do barracão, do piso ao telhado, continua tudo como sempre foi. Meu pai era um homem de visão, a estrutura sempre foi moderna, aos moldes do que é nos dias atuais. Os quartos do Nkisi nós tivemos que mexer, pois não havia mais espaço físico para comportar os Nkises das pessoas que foram sendo iniciadas e os que já existiam. Estruturamos algumas outras coisas, fazemos manutenção na fachada do Inzo regularmente, entre outras coisas.

7- Qual a relação do Bate-Folha do Rio com o de Salvador?
R: Meu pai, Lessengue, foi muzenza do primeiro barco de meu avô Bernardino, foi o primeiro filho da casa e era do mesmo Nkisi que ele.
Quando seu Bernardino faleceu, meu pai foi escolhido para assumir a casa, o Manzo Bandukenké, mas ele já havia fundado sua casa aqui no Rio de Janeiro denominada Kupápá Unsaba (que significa Bate-Folha na integra) e não pôde assumir a responsabilidade, que foi passada a meu tio Bandanguamê, que era de Kavungo.
Inclusive esta história da casa é até engraçada, pois o terreiro de Salvador é Bate-Folha, porque o nome da fazenda que meu avô Bernardino comprou para fixar a roça tinha esse nome e já aqui meu pai quis colocar um nome que desse referência a casa onde foi iniciado, e ficou Bate-Folha também.
Meu pai continuou mantendo vínculo com o Inzo até seu falecimento, vínculo esse que mantenho até hoje com o atual herdeiro Tata Mulundurê e com Guanguacêcê. Inclusive estive lá em outubro passado para cerimônia de tombamento da casa. O pessoal de Salvador também vinha muito aqui, com exceção de meu avô Bernardino, que faleceu pouco após a inauguração da casa.

8- Quem é a mãe Mabeji fora do Bate-Folha?
R: Eu sou uma pessoa pra frente, que sempre se dedicou a família em primeiro lugar. Sou amiga de todas as pessoas, e não há diferença de tratamento em minha casa. Tive em meu falecido esposo, José Milagres (Tata Ngunzo), meu braço direito e grande companheiro, que dedicou a vida dele à família e aos Nkisi como poucos.
Ele foi que me deu forças para tocar a casa, desde sua estrutura até a parte ritualística. Tenho orgulho de saber que hoje estou à frente de uma das mais tradicionais casa do Brasil, e muito disso devo a ele.

9- Qual a influência do Bate-Folha no culto Angola-Congo do Rio de Janeiro?
R: Na verdade, nós não somos Angola, somos Congo. Seu Barnardino que foi quem fundou o Bate-Folha em Salvador, era filho de um congolês chamado Manuel de Nkosi, e após seu falecimento tirou mão com dona Maria Neném no Tumba Nsi, pois não havia outras casas de culto Congo em Salvador.
Como o culto Angola possui muitas diretrizes do Congo, talvez ele tenha escolhido o Tumba Nsi por este motivo.
O Bate_Folha foi a primeira casa de culto Angola-Congo no Rio de Janeiro, talvez por isso, possa ter influenciado na maioria das coisas. Desde festas, até o que se faz ritualisticamente, conhecido por poucos. Posso citar como exemplo a palavra Inzo, que significa casa, ou o termo Nkisi. A Kukuana, que também é da tradição congo, entre tantos outros aspectos de influência trazidos pelo Bate-Folha.

10- Qual a relação dos Nkisi do culto Angola-Congo, com os Orisás do Ketu?
R: Eu acredito que somente a nomenclatura e seus fundamentos sejam diferentes, porém acho que a essência é a mesma. Posso citar o exemplo de Omolu, Kavungo para nós, que desde que eu conheço Candomblé sempre vestiu aze de palha da costa. Isso é uma característica pessoal da divindade, seja em Angola, no Ketu ou em Jêje.

11- Sabemos que tradicionalmente, os Candomblés de Angola do Rio não fazem sua sala totalmente com cânticos em Bantu. Como isso funciona no Bate-Folha?
R: Aqui em casa, a Kizomba (sire) sempre foi realizada da mesma forma desde que meu pai fundou o terreiro, em Bantu. Não houve a necessidade de "aportuguesar" as cantigas, pois meu pai Lessengue sempre procurou se aprofundar no culto, e talvez por isso aqui não ouve essa ketualização que ocorre em algumas casas.

12- Quais as casa de Candomblé a senhora costuma frequentar?
R: Eu não sou muito de ir a Candomblé, vou esporadicamente. Quando vou a alguma festa costuma ser na Casa de Nino de Ogun, Luis de Osoo si, no Walter de Nkosi, no Opo afonjá, Valdomiro Baiano, Bira de Sango, Beata de Yemonja, Meninazinha de Osun e na casa do Elias de Yansan. Quase não tenho tempo de ir a Candomblés, mas quando vou, é em um desses.

13- O que é mais gratificante no Candomblé? E o doloroso?
R: Olha, o Candomblé é uma religião de surpresas. O Mais gratificante na minha opinião, é a relação com os Nkisi. Você faz suas oferendas, obrigações e é bem sucedido. É bom saber que posso contar com eles para ajudar as pessoas.
Gratificante também, é o reconhecimento, por parte dos filhos, mostrado através de sua dedicação a casa, e pela satisfação nos êxitos obtidos ou por algo pendente resolvido. Agora o mais doloroso é a falta de gratidão por partes de algumas pessoas, aliás, gratidão elas devem aos Nkisi, falta de consideração colocando melhor. Você às vezes perde noites de sono, faz de tudo por uma pessoa, dedica seu tempo, e a pessoa não dá valor a isso.
Simplesmente viram as costas para casa de santo, seus membros e seus Nkisi, e só volta quando esta numa pior. Isso é o pior que pode acontecer.

14- Como á senhora vê hoje o futuro da religião?
R: Eu vejo o culto Angola e o Jêje em menor escala, tem pouca repercussão devido a ketualização que caminha através das décadas. Acho que se continuar assim, a tendência é que somente o culto Ketu sobreviva.

15- Existe alguém sendo preparado para assumir o Inzo Kupápá Unsaba?
R: Hoje, existem pessoas preparadas com conhecimento necessário, porém ninguém específico. O Nkisi é uma caixinha de surpresas e pode escolher qualquer um da casa. Mas, seja quem for, terá o suporte necessário e aprenderá com essas pessoas os fundamentos ritualísticos necessários para boa condução da casa.

16- Uma mensagem para o povo da religião?
R: Meu desejo é que o povo do Candomblé seja mais unido, pois se a religião esta assim é por culpa da desunião. A união faz a força.
Acho que as pessoas deveriam aprender, estudar e observar mais, e criticar menos, pois às vezes podem estar falando o que não sabem.
Esta é a minha mensagem.


Fonte: http://www.ritosdeangola.com.br

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